Entrevista, na íntegra, concedida à jornalista Daiane Libero do Jornal O Estado
Daiane: O que leva um jovem a trocar a vida real e social por um jogo de simulação no computador?
Fabrício: Vários são os motivos da preferência de um jovem trocar a vida social (que também é virtual) à uma vida virtual como no jogo de simulação. Porém, a base destas diversas especulações motivacionais justifica a própria escolha do jovem. O que estou querendo dizer, é que a escolha do jovem para o virtual (internet, games, etc.) faz-se resposta às demandas que a sociedade lhe remete.
A “vida real”, a qual chamamos, é estruturada por relações políticas, relações de poder, ou seja, formas de sujeição do corpo a um Outro (seja este, uma pessoa, uma instituição, uma ideologia, etc.). Diante desta imperatividade biopolítica, os sujeitos podem se sentir impedido (inibido) de realizar seus desejos, o que ocasiona ansiedade e, portanto, o mesmo busca aliviá-lo através de outras formas, tal qual a virtual (internet, jogos, etc.).
O que, porém, ocorre neste caso é o fato do sujeito gerar condutas banais. Fugindo assim de conflitos relacionais por meio da alienação a restos de culturas, atividades como vídeo game, internet, e também cabendo aqui, o álcool, e as demais drogas.
Para sair um pouco do abstrato, e tratar algo mais cotidiano e habitual, podemos encontrar na conduta de um jovem que se banaliza passando horas e horas à frente de um mundo virtual, uma forma de omitir-se aos desejos, por exemplo, da família. Se deixando, desta forma, omisso entre as relações e decisões que permeiam esta família.
Haja vista que adentrar no caminho destas relações, lhe colocará em situações difíceis, na qual terá que se posicionar diante de pessoas muito importantes para si, e que esta posição, pode gerar uma fantasia (não obstante, haverá uma contrapartida real) de colocar em risco sua inclusão na família, ou até mesmo o papel que possui nesta. A título de exemplo – e somente exemplo -, negar as expectativas do pai em prol de suas próprias expectativas/opiniões, como a escolha de uma profissão, defender uma ideia contrária, e até mesmo um sentimento específico.
É uma forma de resistência, “não aceito, porém abro mão de meus desejos”.
Já na vida virtual, como um jogo de simulação, este jovem pode, por exemplo, decidir sobre sua própria vida, ser quem quiser ser, sem perigos maiores de chocar com sua real situação. Poderá ser o senhor de suas escolhas, e assim, realizar fantasias na qual possa ter dificuldades em desempenhá-las no real.
Daiane: Como esses jogos atuam na “cabeça” desse jovem?
Fabrício: Estes jogos de simulação podem ocasionar, em casos específicos, uma pobreza de experiência, a vivência de um vazio, podendo cristalizar um medo do real. Afinal de contas, no jogo, se é “na real” um mero expectador.
Entretanto, tantos outros casos podem levar à diversão, ao prazer, ao conhecimento, à informação, e a uma nova forma criativa de re(a)lação.
Há também os casos em que pessoas com predisposições a comportarem-se em determinados momentos como psicóticas, podem entrar em surto, e utilizar dos dados de informações dos jogos em seus surtos ou criações.
Não obstante, também há os casos dos sujeitos considerados pelos seus comportamentos como anti-sociais, ou seja, aqueles que enfrentam o outro social afim de aniquilá-los, obtendo até certa satisfação nesta empreitada; poderá também se utilizar de dados de informações do jogo para executar seu fim, aniquilar o outro.
Em fim, vai depender de muitos fatores, e de cada pessoa.
Daiane: Como evitar o desequilíbrio entre jogar e a rotina?
Fabrício: O problema não está em um jovem jogar, a questão está, acredito, na quantidade de horas jogadas, pois rotina todos tem – acordar cedo por exemplo -. Entretanto, observando se a quantidade de horas jogadas for de tal maneira a ponto de prejudicar outras atividades como trabalho, estudo, e atividades residenciais, faz-se necessário um olhar para o excesso que se apresenta.
Salvo os casos especiais como os sujeitos com funcionamentos de isolamento – ex: autismo –, é possível evitar este excesso estabelecendo limites para as horas jogadas.
Daiane: Como se “livrar” do vício dos jogos eletrônicos de RPG?
Fabrício: Ao se tratar de vício, estamos lhe dando com um hábito, neste caso, uma repetição desajustada de um comportamento motivado por “n” possibilidades.
Aqueles que querem se “livrar” deste hábito, ou para aqueles que querem “livrar” o próximo deste hábito, acredito que uma ótima maneira de propiciar esta situação, seja através do estabelecimento de limites – e não erradicação – de horas jogadas, bem como um acompanhamento psicoterapêutico.
A psicoterapia neste caso ajudaria o sujeito a mobilizar alternativas de enfrentamento à situação banalizada, promovendo assim a saída do comportamento banal e expectador, para tornar-se protagonista de sua própria história nesta realidade.