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A clínica dogmática: reflexos, reflexões e suas consequências éticas

Texto apresentado no Café com Gestalt, dia 23/06/2018.

Fabrício Basso


Mas, o que seria uma clínica dogmática?

A clínica dogmática remonta Hipócrates (460-377 a.C., Ilha de Kós – Grécia) que diferenciava o iatrós – médicos-, do  Klinikós – o médico que atende os doentes acamados, no leito (Kliné), e utilizava como instrumento um Phármakon, podendo ser este um remédio, veneno ou linguagem no sentido figurado. A intervenção nesta clínica é em um objeto ou função, uma parte de um todo regular que no momento está disfuncional. Sua característica é a sujeição de um passivo aos cuidados de um ativo. Seu fundamento está em um conceito de normalidade, um dogma, que foi estabelecido pela repetição de protocolos, antes exitosos, no intento de reestabelecer a normalidade. O desvio do que seja normal é caracterizado como doença ou enfermidade. Mesmo que esta clínica tenha sua origem na medicina, em especial na anatomofisiologia, outras profissões também utilizam este método de aplicação de um saber sob um indivíduo, como a enfermagem, pedagogia, advocacia e psicologia. (MG e MG, 2012)

Esta forma de intervenção que a clínica dogmática tem estabelece uma relação ética peculiar. Para fins didáticos, apenas, vejamos este fenômeno por dois lados: a) do ponto de vista do clínico, o mesmo ocupa um lugar de saber, de domínio, controle, poder. O outro para ele é sempre o que ele diz que é o outro. Assim, este outro passa a ser não mais uma vida que afeta e é afetada no mundo, mas um conceito, uma teoria que cingi – que se diz neutra e que tenta mimetizar a vida. b) do outro lado, aquele que consulta está na busca de ser. Portanto deposita no clínico e no setting terapêutico o lugar que encontrará ser.

A responsabilidade do clínico é tamanha, pois é aquele que participará da construção de um ser. Mas não é qualquer ser, pois este ser que se nos apresenta em clínica não é um amontoado de conceitos isolados e estáticos, é um ser que está aí no mundo com outros seres em movimento – como eu, comigo; é um vir-a-ser, impossível de definí-lo, encerrá-lo enquanto vivo. Aplicar um saber pré-concebido sob este outro é mais que cingi-lo, é utilizar seu corpo para ser. Ser para quem?

O setting terapêutico não é somente um lugar de saber, é também lugar de crítica deste saber, mais ainda, é um espaço de escuta de vidas, de escuta do sensível – onde nasce este saber.

Sendo assim, como realizar uma escuta psicológica que se propõe a criar um espaço de escuta do sensível, campo para ser?

(MG e MG) MÜLLER-GRANZOTTO, M. J.; MÜLLER-GRANZOTO, R. L. (2012) Clínicas Gestálticas: Sentido ético, político e antropológico da teoria do self. São Paulo: Summus.