Texto apresentado no Café com Gestalt, dia 05/12/2015.
Fabrício Basso
Sob fortes motivações econômicas, vivemos em uma sociedade onde a neurose é considerada anormal. Influenciados por empresas e indústrias que ganham com isto vendendo saúde, felicidade, tranquilidade, alegria, etc, estar triste, deprimido ou angustiado é sinônimo de estar doente. Nesta sociedade produtivista não há espaço para o doente, a não ser para estes que ganham com a doença. Há de se estar alegre, feliz, pois quem está doente não produz.
Desta maneira, acabamos perpetuando relações excludentes, estruturamos nossa relação na base do saber diagnóstico e da dicotomia saúde x doença.
Questionadora de saberes e salva guardadora de sensíveis, a Gestalt-terapia torna-se muito importante em um tempo em que cada vez mais se desconsidera o que não produz, o que não pode ser comercializado, e que não cabe neste mundo produtivista dinamizado pela economia da velocidade, do imediatismo, e do consumismo.
Somos bombardeados massivamente por informações que nos dizem o que somos e o que desejamos. Até conseguimos ter uma satisfação possível, mas nunca plena. Afinal de contas, o desejo é do outro, e não meu.
Amparados pela fenomenologia, buscamos “retornar às coisas mesmas”, anteriores ao conhecimento, àquilo de que o conhecimento sempre fala, do lugar de onde ele se origina, e pelo qual aliena em prol do outro.
Entendendo a clínica como um espaço de crítica de saberes, do lugar da fala daquilo que não se sabe, do não saber, a Gestalt-terapia torna-se uma espécie de resistência ao outro- imediatista-capitalista-controlador. Ao mesmo tempo em que inaugura a possibilidade de expressão daquilo que não se deixa apreender, daquilo que não encontra lugar para se expressar, o lugar do não dito, do não saber, do silêncio, do estranho, do “improdutivo”. Traz a possibilidade de integrar as partes que compõem um todo que habitualmente se relaciona de maneira fragmentada.
A fim de promover este espaço de acolhida da manifestação de outrem, o psicoterapeuta sente-se convidado a ocupar o lugar do saber, do conhecimento, daquele que sabe o que é que esta acontecendo, e do que é preciso saber ou fazer para resolver o problema. Entre outras palavras, o psicoterapeuta sente-se demandado a dar respostas – um saber-fármaco –, haja vista que o consulente está lá “para que o terapeuta lhe dê respostas, afinal, este, estudou 5 anos, ou mais, para isso.”
Esta situação acontece em virtude de um ajustamento criativo no campo, na maioria das vezes um ajustamento evitativo, ou neurótico. Um sujeito, na tentativa de dar conta da ansiedade que é produzida por um excitamento inibido no processo de contato, manipula e inclui o outro, o clínico, a fim de que este lhe auxilie na produção de um sintoma.
Robine, em seu livro “O self desdobrado”, em um artigo intitulado: “O inesperado em psicoterapia”, fala sobre os ajustamentos neuróticos como modos de evitar o encontro com o desconhecido, com a surpresa e a novidade. Diz o autor que este lugar desconhecido, do “não-eu”, do “não-saber”, do inesperado como fenômeno de contato é o modo pelo qual o sujeito encontra a possibilidade de um crescimento.
O clínico, por sua vez, lida com este jogo político de articular aquilo que se sabe e aquilo que não se sabe. Aquilo que não se sabe, presente nas sessões, chega como um estranho, um desconforto convidativo à ser dominado, a fim de vincular-se a um saber, a um controle. Muller-granzotto e Muller-granzotto definem este movimento como um trabalho político, uma tentativa de dar um sentido para isso que não tem sentido, o afeto.
Nas palavras dos autores, é “uma tentativa compartilhada de exercer um poder, um saber sobre um estranho (outrem) que se manifestou”. (MG e MG, 2012, p.126)
Entretanto, caso o clínico corresponda ao que está sendo pedido, no campo pelo consulente, ele estará corroborando com um ajustamento evitativo. Ou seja, o clínico estará ajudando ao consulente a evitar um excitamento inibido, a dar conta desta ansiedade. Mas com isso, porém, o clínico também limita as possibilidades de contato e, consequentemente, de crescimento do consulente.
PHG nos alertou sobre essa interrupção do poder criativo:
“A interrupção prematura do conflito, pelo desespero, medo da perda ou evitação do sofrimento inibe a criatividade do self, seu poder de assimilar o conflito e formar um novo todo”. (PHG, 1997, p.173)
Porém, trabalhar com o estranho, com o não saber é angustiante em certas ocasiões, haja vista que o não saber do outro manifesta-se também em meu não saber. Consulente e clínico compartilham isso que se manifesta como um fundo inatual que eu não sei bem dizer ao certo de quem é.
Desta maneira, a comunicação pela ordem do não dito, acontece tanto com o consulente quanto com o psicoterapeuta. Fato que faz com que o psicoterapeuta reencontre “os limites de seu próprio processo como consulente, reencontrar-se com o que é outrem para ele próprio.” (MG e MG, 2012, p.130)
Cabendo, portanto, ao psicoterapeuta estar atento ao movimento da articulação política que ele próprio e o consulente realizam para dar sentido a isso que ninguém faz cessar; a este estranho que se manifesta na qual não se sabe bem o que é ou de quem é, mas que pela configuração do campo lhe coloca em contato.
REFERÊNCIAS
[MG e MG] MÜLLER-GRANZOTTO, M. J.; MÜLLER-GRANZOTO, R. L. (2012) Clínicas Gestálticas: Sentido ético, político e antropológico da teoria do self. São Paulo: Summus.
[PHG] PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.
ROBINE, J-M. O self desdobrado: perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2006.